Acabei há alguns dias de ler um livro que fala do caminho para o casamento e as relações familiares, no âmbito da Pastoral da Família. Quando a leitura findou quase não queria acreditar. Então não é que o único papel reconhecido ao diácono permanente, e a única vez que é mencionado, é para informar que quando se efetua um casamento a leitura do Evangelho é proclamada pelo diácono! Nas cerca de trezentas páginas do livro o diácono permanente serve para isto, não digo que a Proclamação do Evangelho não seja honrosa para todos os diáconos, que o é, mas porque todo o discurso se baseia no padre e nos casais. Por muito que os senhores presbíteros conheçam sobre o casamento, no meio do clero da Igreja Latina, onde não se casam, nem namoram, nem têm filhos, a prática de tal provém dos diáconos, que se casam, namoram e são pais. Não estamos a referir que aqueles/as que não se casam não possam ter uma experiência muito rica quanto à família – que a possuem -, quanto ao casamento, à caminhada até lá e depois dela. Podem-no ter até porque são pessoas são “de fora” do casamento, mas faltará qualquer experiência de vivência conjugal, quer seja sentimental, quer seja sexual. A primeira empatia é sempre física, às vezes não verdadeira, porque a substância desconhece-se. Neste sentido tenho pena que os responsáveis desta publicação sejam tão clericalistas, que não possam trabalhar com os diáconos, neste domínio.
Por outro lado, nota-se nas fotografias e texto do livro quão longe o escrito desconhece a prática ao ignorar as bases com que a nossa sociedade absorve esta matéria. O que se conta neste livro é um conjunto de regras e “bons preceitos”, herdados de uma igreja clericalizada. Como se fosse a história da “carochinha e dos sete anões” e dos príncipes encantados que zás libertam a pobre menina, virgem e fértil, e vivem longos anos, com muitos filhos, felizes e contentes”. A vida, porém, não é assim e que o digam os presbíteros casados das tradições não católicas romana, ou os da igreja católica romana, não latinas, que são casados. E assim, também, os diáconos casados, que são aos milhares, mas que neste exemplo nunca são chamados.
Não seria absurdo desconhecer as várias formas de família que hoje coexistem, e das duas uma: ou fazer uma cruzada com espada e escudo, ou escutar o que as mulheres e os homens dizem à Igreja. Como não estamos em tempo de cruzadas – aliás, temos experiências negativas de tais feitos -, só poderemos estar à escuta dos clamores de todos aqueles e aquelas que querem viver o seu amor, o seu “matrimónio natural” abençoado por Deus.
O casamento dá-se no amor, quando possui o Amor. Este, como escrevemos, nasce de uma empatia pessoal e de um cativar um pelo outro. Não existem formas infalíveis, e hoje a mulher está bem apetrechada para não se curvar às impertinencias do homem. Esta empatia é de natureza quase sempre física, que se vai transformando numa cativação permanente. Daí que a sexualidade seja fundamental do caminho a percorrer, nos projetos, nas vivências e nas factualidades das vidas percorridas por tantas correntes de vento e enxurradas que aparecem, quase como na meteorologia.
Colocar em dúvida ética a pessoa só porque usa métodos anticoncecionais não normalizados pela Igreja, não é de quem tem experiência de vida, ou se a tem a esconde nas profundidades das valas comuns. Digam-me quem vai “virgem” para o casamento, até porque todos sabemos que ser virgem é muito mais, imensamente mais, do que possuir uma película que rompe – só nas mulheres -, isso será reduzir a virgindade à falta da sexualidade, o que necessariamente esconde as condições de virgem, que é um doar-se à humanidade, às causas comuns, mesmo tendo família constituída. Se não é ético o uso de meios anticoncecionais por uma das partes da relação, então estamos numa humanidade não-ética, e a ética passou a ser apresentada como uma negação da humanidade, dos valores da dignidade humana, e isso é que não é ético.
Por tudo o que aqui se diz, vamos refletindo que o que falta aos autores do livro que li, é também ouvirem e escutarem ativamente as pessoas, para que o Evangelho do Senhor seja compreendido e vivido em alegria, não em castrações contra a vontade de quem criou homens e mulheres.
O Diácono Permanente casado poderá ser uma fonte de conhecimento importante, para não dizer fundamental, neste processo. Exclui-lo é um erro e em cada dia o Espírito do Senhor atuará e fará reforçar a sua experiência ao comum dos cristãos e das cristãs, e dos homens e mulheres da nossa sociedade.
Joaquim Armindo – Diácono da Diocese do Porto – Portugal