A DIVINA COMÉDIA NA PENA DO BISPO DE ROMA, PAPA FRANCISCO
“O itinerário de Dante, ilustrado sobretudo na Divina Comédia, é verdadeiramente o caminho do desejo, da necessidade profunda e interior de mudar a sua própria vida para poder alcançar a felicidade e, assim, mostrar a estrada a quem se encontra, como ele, numa “selva escura” e “perdeu a “a via direita”. Além disso, é significativo que, desde a primeira etapa deste percurso, o seu guia – o grande poeta latino Virgílio -lhe indique a meta aonde deve chegar, incitando-o a não ceder ao cansaço: “Mas porque volves ao ansioso enleio? /Porque não vais ao deleitoso monte/que é razão da alegria e dela cheio?” – escreve o bispo de Roma, papa Francisco, na sua Carta Apostólica, “Candor Lucis Aeternae”, sobre o centenário da morte de Dante Alighieri. E lembra as três mulheres da Divina Comédia: Maria, Beatriz, Luzia, dizendo que: “Cantando o mistério da Encarnação, fonte de salvação e alegria para toda a humanidade, Dante não pode deixar de cantar os louvores de Maria, a Virgem Mãe que com o seu “sim”, com a sua aceitação plena e total do projeto de Deus torna possível que o Verbo Se faça carne. Na obra de Dante, encontramos um tratado estupendo de mariologia: com acentuações líricas sublimes, particularmente na oração de São Bernardo, sintetiza toda a reflexão teológica sobre Maria e a sua participação no mistério de Deus: “Virgem e mãe, que és filha de teu filho, /humilde e alta mais que criatura, /de eterno querer termo fixo e brilho, /aquela és que a humana natura/tanto nobilaste, que o fator/não desdenhou de si leitura”. O oximoro inicial e a sucessão de termos antitéticos destacam a originalidade da figura de Maria, a sua beleza singular.”
Dante nascido no ano de 1265, e que lutou, nesse tempo, pela separação da Igreja e do Estado, compôs esta que seria a sua última obra, no exilio, “Divina Comédia”, dividida em três partes, com trinta e três canções por cada parte. Descreve a sua visita ao Céu, ao Purgatório e ao Inferno. A sua escrita é sempre influenciada pelo amor, não correspondido, mas que durou a sua vida desde tenra idade por Beatriz, a sua formosa amada. Todo o contexto da sua vida, é proclamado na “Divina Comédia”, e na sua visão do Céu, Inferno e Purgatório. O Purgatório que não possui qualquer identidade bíblica, foi criado pela hierarquia da igreja para obter fundos, e Dante descreve-o com uma tonalidade brilhante. Faz muito bem Francisco recordar no 700º aniversário da sua morte, com uma carta pastoral, dotado de um sentido para que as “comunidades cristãs”, não esqueçam este “tesouro” da literatura, para que a mensagem de Dante seja refletida. A Carta Apostólica é um hino à beleza e à arte, que dá “forma, cor e som à poesia”, neste caso de Dante.
A mais importante parte – para mim, claro -, é aquela onde canta o Inferno, de uma dureza da vida, só comparável ao que a Humanidade vive hoje; quase poderia dizer: que se queremos conhecer a sociedade em que vivemos leiamos Dante, na parte referente ao Inferno. Mergulhamos neste nosso viver – não só com pandemia, mas, também, no antes e, talvez, no pós-pandemia -, com uma brutalidade do que é o Inferno, e que bem podemos comparar com o que Dante escreve. A violência dos seus cantares sobre o inferno, introduz-nos na vida real, e no nosso quotidiano, a sua visão é clara quanto à salvação da humanidade. Não é num Purgatório, que não existe para ele, nem no Céu, cuja existência é a Esperança de todos os homens e mulheres, que Dante tão bem sabe retratar o seu amor (platónico?) por Beatriz, mas no inferno que sente e vive dentro de si, porque o amor não lhe é favorável.
Dante é pobre, económico e de amor, por isso encontra na sua vida o encanto do Inferno, descrevendo-o de uma forma magnifica, para os dias que hoje vivemos. Se é o Céu que esperamos contenha para toda a Humanidade uma Nova Terra, que “mana leite e mel”, onde o
Amor é de todos e em tudo, e onde queremos viver uma Vida na transcendência, é no Inferno que Dante consegue emergir todo o sacrifício da sua vida amorosa e lutadora.
Dante com o seu Inferno – que deve ser lido por todos – descreve maravilhosamente os nossos pesares, a nossa corrupção, os nossos erros e pecados. Este relacionamento que Dante possui com o Inferno, olhem que é mesmo o que vivemos! , setecentos anos depois da sua morte, e que morreu em exilio. Dante é grande na sua visão apocalítica do Universo, por isso ele também passa por um Purgatório que seria um resgate da nossa vida, contrapondo um Céu que espera por nós, mesmo aqui na Terra.
Joaquim Armindo
Pós-doutorando em Teologia
Doutor em Ecologia e Saúde Ambiental
Diácono – Porto – Portugal