O DIACONADO PERMANENTE NO BRASIL DESDE O CONCÍLIO VATICANO II ATÉ HOJE

Introdução.

            Esta segunda parte do subsídio destinado à reflexão dos diáconos, em preparação à 10ª Assembleia Geral, uma assembleia comemorativa dos cinquenta anos da restauração do diaconado pelo Concilio Vaticano II, não pretende reconstruir o percurso histórico do diaconado permanente no Brasil com o relato de datas e acontecimentos. Procuramos refletir sobre a evolução da vocação diaconal com seus avanços e conquistas, com suas dificuldades e angustias durante os últimos cinquenta anos. A proposta de trabalho foi elucidar de onde partimos e aonde chegamos. Sempre é necessário conhecer a trajetória percorrida e tomar consciência do ponto onde nos encontramos. Só assim teremos condições de enxergar novas metas para o futuro.

            Logicamente o trabalho se restringe a alguns aspectos da caminhada. A trajetória desta vocação; a busca da identidade e missão; o itinerário formativo; a sua organização. Acreditamos que estes aspectos estejam entre os mais significativos. A solicitação foi de um trabalho provocativo, que nos faça pensar e refletir ajudando-nos a perceber o que devemos melhorar. Por isso os muitos questionamentos que aparecem.

Certamente temos muito que comemorar e agradecer. Mas ao mesmo tempo muito sobre o que nos questionar. Quem diria que após cinquenta anos da restauração do diaconado permanente pelo Concílio Vaticano II, ainda a Igreja no Brasil tenha respondido tão timidamente ordenando menos de três mil diáconos. No país com maior número de católicos no mundo parece incrível que 45% das dioceses não tenham diáconos. Isto significa 130 dioceses ainda sem diáconos. Sendo que um bom número de dioceses apenas tem um ou dois diáconos. Número insignificante e totalmente insuficiente.

           

Será que as decisões do Concílio não merecem maior atenção? Por que o Concílio encontra tantas resistências para ser colocado em prática? Como seria a nossa Igreja no Brasil hoje se realmente tivesse tomado muito mais a serio este ministério?

           

  1. De desconhecido a valorizado e respeitado.

Como foi a promoção da vocação diaconal no Brasil desde o Concilio até hoje? Pelo acompanhamento atento que faço deste ministério, nos últimos trinta e cinco anos posso dizer que os passos dados foram sempre muito lentos e com muito sacrifício. Alguns bispos, padres, religiosos e diáconos, pioneiros no trabalho vocacional diaconal, graças a uma visão de Igreja toda ministerial e servidora, tiveram um papel fundamental para desbravar o caminho diaconal, já que as oposições, descasos e indiferenças, não eram poucos. Os diáconos sempre tiveram consciência muito clara de que sem eles não teriam avançado. A todos eles somos muito agradecidos.

Foram muitos os promotores e protagonistas deste ministério ao longo destes cinquenta anos. Citando algum, me perdoem os outros. Não podemos deixar de citar Dom Luciano Mendes de Almeida que na palestra que fez no III Congresso Nacional de Diáconos, realizado em Itaicí, dizia: “É um caminho cheio de coisas boas: a bela história do diaconato no Brasil”. E lembremo-nos dos primeiros. Entre nós creio que há muitos primeiros. Quero lembrar a pessoa de Dom Romeu Alberti, que conheci tão bem, e que era realmente uma pessoa entusiasmada pela ideia do diaconado na Igreja. Saúdo também aqueles que hán mais tempo são diáconos. (…) Imaginem se pudéssemos fazer um elenco, ainda que aproximativo, de todos os benefícios espirituais que a Igreja do Brasil vem recebendo pela vida e pelo exercício da missão dos diáconos.

É realmente difícil escrever essa história, mas ela está escondida no coração de Deus.

Agradecemos muito porque Deus suscitou entre nós o diaconado e também pelos exemplos de vida dedicada inclusive de muitos que não têm a oportunidade de um encontro como este. Eles estão aí, levando a frente a sua missão, fazendo acontecer a presença de Cristo, de um modo diaconal, no meio das comunidades.

Quero agradecer também a Nossa Senhora, porque uma das marcas do diaconado é essa capacidade de assumir o exemplo de Maria, o “sim” de Maria como grande inspiração deste que é o serviço cotidiano das várias funções do diácono.

Queria também dizer que a Igreja no Brasil, inclusive nesta sala de plenário, veio aprendendo a valorizar o diaconado. Gostaríamos de ter aqui a lembrança que para os bispos, para os padres, para os leigos, para os religiosos foi um aprendizado, porque muitos vivíamos sem conhecer o exercício do diaconado.

Foi um caminho que toda a Igreja no Brasil, veio fazendo. Hoje, pode-se dizer que é um caminho percorrido em muitas, na maioria, sem dúvida, das dioceses. Por isto, este é também um ato de agradecimento a Deus, feito de memoria, de lembrança de pessoas, de conquistas, de documentos da Igreja. “Tudo isso faz parte da compreensão desse Ministério da caridade”.

Dom Luciano sempre deu grande apoio ao diaconado no Brasil. Desde o inicio se fez presente nos encontros nacionais de diáconos com reflexões marcantes e diria históricas. Sempre abrindo novas perspectivas para este ministério.

Na primeira década, anos sessenta, o ministério era desconhecido, era novidade, não existia experiência, não existia normativa. Foram poucas as ordenações. A maioria dos bispos não se arriscava a esta novidade. Também não entendia nem sabia como fazer. Preferiam esperar as experiências dos pioneiros. Algumas ordenações foram feitas sem muitas considerações. Alguns bons ex-seminaristas. Alguns amigos e conhecidos dos bisp
os. Outros bons cristãos, já idosos, ganhavam quase que um prêmio. Ainda naquela velha mentalidade de entender que ministério ordenado é um “status”. A maioria destes diáconos dedicou-se as celebrações litúrgicas.

Nos anos setenta começam os primeiros encontros promovidos pela CNBB para refletir sobre este ministério. São convocados bispos, padres e primeiros diáconos ordenados. Aos poucos vão sendo elaboradas as primeiras orientações para este ministério.

Pelos anos oitenta começam as primeiras tentativas para articular e organizar a vida diaconal já existente. Surge a Comissão Nacional de Diáconos.

A partir dos anos noventa se trabalha para elaborar as primeiras diretrizes para a vida e ministério do diaconado no Brasil. A Comissão Nacional de Diáconos consegue espaço para participar das reuniões da Comissão de Ministérios e Vocações da CNBB e participar das reuniões do Conselho Episcopal de Pastoral, e das Assembleias Gerais da CNBB.

Nos primeiros anos de 2000 a institucionalização da entidade, Comissão Nacional dos Diáconos, ajudou muito para o diaconado ser conhecido e respeitado. Tivemos um grande desenvolvimento numérica e qualitativamente.

Papel de destaque no desenvolvimento do diaconado teve a CNBB, especialmente de todos os presbíteros secretários executivos da Comissão Episcopal para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada, desde depois do Concílio até hoje, assim como dos bispos presidentes desta Comissão, que recebeu vários nomes ao longo de todos estes anos.

No caminho desde um diaconado desconhecido até um diaconado respeitado, tivemos o apoio fundamental das cinco Conferências Gerais do Episcopado Latino americano e Caribenho. Em cada Conferência um aspecto importante do diaconado era colocado em evidência. Em Medellín destaca-se o papel do diácono na criação e animação das pequenas comunidades. Em Puebla se destaca a eficácia do carisma do diácono para a realização de uma Igreja servidora e pobre. Em Santo Domingo se enfatiza a importância do ministério do diácono para o serviço de comunhão. Em Aparecida se lança o diaconado para as novas fronteiras da missão.

Nesse caminho foram vitais as atenções e cuidados dos pontífices: Paulo VI definiu os diáconos como animadores da diaconia da Igreja.  João Paulo II nos deixou um riquíssimo ensinamento social, fonte de inspiração fecunda para o ministério diaconal, além das suas catequeses sobre a vocação e ministério diaconal. Bento XVI nos recordou as antigas estruturas das diaconias criadas para viver a caridade.

Mas a pesar de todos os apoios e incentivos sempre tivemos no Brasil a impressão de que uma grande maioria dos ministros ordenados nada fazia para tomar decisões concretas para iniciar o ministério. Tanto tempo e ainda muitos não o conhecem. Tanto tempo e ainda muitos não o entendem nem promovem.

           

Dizem que, tanto o ministério diaconal como o episcopal, saíram, a partir do Concílio, de uma situação de “hibernação” provocada pelo ministério presbiteral que os tinha deixado durante séculos na sombra ou na penumbra. Os diáconos permanentes não existiam. Os que existiam eram transitórios. Tão transitórios que mal dava para perceber que existiam. Os bispos eram os grandes desconhecidos do povo de Deus. Entre outras coisas porque eles em geral viviam nos palácios e suas visitas e contatos com o povo eram raros e esporádicos. O único ministro visível era o presbítero. Tudo na Igreja girava em torno dele.

           

No começo o diaconado era visto por muitos presbíteros como uma ameaça ao seu ministério único e dominante, ou como uma concorrência. Um bispo uma vez me confidenciou que quando ele me convidou para falar aos padres da diocese sobre o ministério diaconal, quando entrei na sala, um dos padres lhe cochichou no ouvido: “aí vem àquele que quer tirar o lugar da gente”.

Todo o que é desconhecido causa certo medo. Com medo a reação espontânea é defender-se. Uma forma de defesa é fugir, não querer se aproximar; não querer conhecer o diferente. Por isso durante anos os primeiros diáconos foram muitas vezes ignorados, descanteados, e em ocasiões objeto de piadas de mau gosto.

Nesse tempo, os poucos diáconos que existiam, quando se encontravam sempre se animavam para não ligar para os desaforos. Para continuar perseverantes no testemunho autêntico do seu ministério. Tinha-se muita clareza de que o futuro diaconado dependeria em grande parte do testemunho de vida dos diáconos pioneiros. Por isso o esforço e a motivação para não desanimar, para relevar as dificuldades encontradas no relacionamento principalmente com os presbíteros.

Da parte do povo a reação ou possível “rejeição do ministério diaconal” sempre foi insignificante. Partia principalmente de pessoas mais idosas agarradas ferrenhamente as tradições e sobre tudo agarradas ao padre numa dependência doentia.

Hoje podemos dizer que nas dioceses onde atuam diáconos, a aceitação é quase unanime. As vocações florescem por toda parte. É a vocação que mais cresce na Igreja. O povo gosta dos diáconos porque os sentem muito próximos dele.

Para tornar a vocação diaconal conhecida foi feito um intenso e contínuo trabalho de catequese sobre esta vocação. Foram produzidos inúmeros folders, panfletos, cartazes, santinhos, em fim, um amplo material de divulgação tanto em nível nacional como nos regionais e nas dioceses. Mas foi com o testemunho de serviço, na gratuidade e disponibilidade incondicional,  que o diaconado foi ganhando credibilidade e espaço nas nossas dioceses.

Será que ainda encontramos esse fervor e esse zelo pelas vocações diaconais? Temos consciência de que o testemunho da diaconia é fonte de renovação para todos os membros da Igreja? Estamos cientes de que a nossa função de detectar e promover líderes passa pelo convite que podemos fazer a muitos para serem diáconos?

O respeito a este ministério veio principalmente pela genuinidade da maioria dos primeiros diáconos e pelo aperfeiçoamento no serviço das gerações que seguiram.

O testemunho de homens das mais diversas profissões, com a sua vida profissional, matrimonial e familiar estabilizada, dando de si tempo, inteligência, recursos, e sobre tudo amor, convenceu e conquistou o coração de bispos, presbíteros e fiéis.

  1. Do nascimento ao crescimento e organização.

Vários encontros realizados no Brasil durante os anos sessenta ajudaram para amadurecer a opção pelo diaconado. Estes encontros reuniram bispos, presbíteros e religiosos, já que ainda não tínhamos diáconos. O tema central era: como selecionar e formar os candidatos. Outros temas estão em pauta desde o início: quais seriam os campos de atuação dos diáconos nas comunidades? Também está presente a preocupação de que os diáconos não sejam meros suplentes dos presbíteros. Nem substitutos dos ministros leigos. Ao mesmo tempo havia uma preocupação com o relacionamento dos futuros diáconos com o bispo e os presbíteros.

Quando nos anos sessenta iniciam a experiência do diaconado as dioceses de Belém do Pará, Salvador, Goiânia, Porto Alegre, Volta Redonda, Taubaté, João Pessoa, Campina Grande, Apucarana, o fazem como quem assume um risco e sofreram para implantá-lo. No início isto parecia uma utopia. Poucos enxergavam o diaconado como uma resposta as necessidades da evangelização da sociedade moderna.

Os primeiros cursos foram montados um pouco improvisamente. Não se tinham referencias. Era necessário criar algo novo. Mas o que começou embrionariamente desenvolveu-se graças também aos encontros nacionais de diretores e formadores das escolas diaconais. Hoje encontramos escolas diaconais com mais de vinte e cinco anos de funcionamento ininterrupto, e com estruturas muito sólidas.

O diaconato foi crescendo no Brasil de forma lenta e desigual. O sul ordenou muito mais diáconos do que o Norte. E conforme crescia apareciam novos problemas e novas dificuldades, mas ao mesmo tempo novas soluções e aperfeiçoamentos.

Os diáconos que iam sendo ordenados eram poucos no meio de um presbitério muito grande. O diácono se sentia frustrado porque não era acolhido, nem pelo presbitério nem pela comunidade. Sentia-se isolado. Alguns começam a sentir a necessidade de encontrar-se com os colegas de várias dioceses para juntos trocar experiências, estudar, encontrar soluções para as dificuldades encontradas no ministério.

Com estas finalidades são organizados nos anos setenta diversos encontro inter-regionais onde os temas centrais eram: a teologia diaconal; a Igreja ministerial; as experiências diaconais em andamento; a inserção do diaconado permanente na pastoral orgânica da diocese. É durante estes encontros inter-regionais que surge uma equipe de diáconos, acompanhados e assessorados pela CNBB, que começam a articular a vida diaconal, até ser criada a Comissão Nacional de Diáconos (CND), composta por cinco diáconos escolhidos com a função de organizar o diaconato em nível nacional; representar os diáconos do Brasil; e defender os interesses e trabalhos diaconais.

A organização dos diáconos foi crescendo e evoluindo até chegar a ser constituída como instituição vinculada à CNBB, com os seus Estatutos Canônico e Civil devidamente aprovados. A CND, seja na sua versão inicial, seja no seu estágio institucional, teve um papel fundamental no desenvolvimento do diaconato no Brasil. Sempre foi um ponto de referência para os bispos, presbíteros e diáconos que solicitam informações e assessoria sobre o diaconado. Ela é espaço privilegiado para os diáconos crescerem em todos os aspectos.

O trabalho dos pioneiros foi feito. Os que vão chegando encontram muita coisa já construída. É responsabilidade das novas gerações de diáconos levarem adiante as bandeiras fundamentais deste ministério. Houve certamente necessidade de procurar os espaços de atuação, de procurar compreender melhor nossa identidade e missão, de articulação e unidade para sermos ouvidos. A organização e articulação dos diáconos no Brasil servem de exemplo para muitos países. Mas tudo pode vir de agua abaixo se não estivermos atentos e atuantes. Há necessidade de manter o corpo diaconal articulado e unido. Os Bispos em Aparecida nos recomendam que cada diácono permanente cultive esmeradamente sua inserção no corpo diaconal.

Estamos empenhados em cultivar a nossa inserção no corpo diaconal diocesano? Estamos telefonando, comunicando-nos por internet e visitando os colegas? Estamos participando das reuniões e encontros? Partilhamos notícias, experiências e recursos? Estes mesmos questionamentos servem para revisar nossa inserção no regional e no nível nacional. Um diaconado desarticulado e desunido é um corpo muito frágil, vulnerável, incapaz de crescer e de cumprir a sua missão.

3.- Do templo e da liturgia ao encontro caritativo dos pobres e excluídos.

Nesta caminhada do diaconado no Brasil foi sempre uma preocupação e uma luta para que os diáconos acentuem mais o ministério ou diaconia da caridade do que a da liturgia. Não para excluir a liturgia, mas para acentuar o peculiar do diácono. Para ajudar as paróquias, comunidades e a diocese a ajustar o desequilíbrio entre liturgia e caridade. Isto impede que os critiquem porque só ficam no altar. Claro que ficar no altar é necessário, é vital, é função do diácono também. Mas o perigo é quando o altar não me conduz para a ação transformadora e libertadora na sociedade. O perigo é quando no altar estamos de forma estática, sem transmitir com nossos gestos e palavras uma mensagem para que a comunidade que celebra se
ja tocada no coração e provoque conversão para a compaixão, para a misericórdia, para a solidariedade, para a reconciliação, para a construção da paz, para a partilha, para a comunhão, para a missionariedade, para o encontro com o mais necessitado.

O problema de que ainda continuem diáconos atuando apenas na liturgia é muitas vezes porque o próprio bispo não tem claro que ele é responsável principal para que entre os diocesanos não existam necessitados. Por isso não sabe solicitar do seu diácono a colaboração nesta dimensão. O mesmo ocorre nas paróquias. São poucas as que têm como prioridade ajudar aos pobres. As prioridades das paróquias são as construções, o embelezamento dos templos. Todos os recursos e os esforços das lideranças engajadas estão em função de rifas, de impressão de camisas, de quermesses, de venda de mil e um produtos não para ajudar os necessitados, mas para gastar com pedras, mármores, pisos, cada vez mais caros e esplendorosos. Não sobra tempo para ir ao encontro de ninguém.

Será que os diáconos entraram, acriticamente, passivamente, conformisticamente, nessa dinâmica e não questionam nada? Será que o problema é a falta de visão e sensibilidade do bispo para com os pobres? Será que é a falta de coragem e de conhecimento dos padres para iniciar uma forma nova de ser paróquia? Será que é uma cegueira dos leigos que apegados a tradições e a formas de conduzir a vida da comunidade não enxergam que estamos em outros tempos e diante de outros desafios e prioridades? Ou será que são os diáconos que não tem visão, sensibilidade, coragem, conhecimento e capacidade para dar essa virada, esse giro copernicano, que mostre que as coisas podem funcionar de forma diferente, sobretudo fazendo resplandecer a caridade como distintivo principal do cristão.

O III Congresso Nacional de Diáconos trabalhou o tema do ministério da caridade. O lema do congresso era: Diáconos por uma Igreja servidora e um mundo solidário.

Certamente muita coisa mudou ao longo destes anos. Muitos diáconos deram e dão um testemunho exemplar de dedicação às causas sociais, aos excluídos e necessitados. Mas ainda é muito pouco. Temos um grande caminho a percorrer no testemunho da caridade.

4.- Das paróquias às Diaconias.

            Como encaixar um diácono numa paróquia? Temos problemas estruturais e humanos. Desde o início estes problemas não foram resolvidos. A paróquia é uma estrutura velha da Igreja que não mudou substancialmente depois do Concílio Vaticano II. O diaconado é retomado pelo Concílio para entrar na dinâmica de renovação eclesiológica. Um vinho novo não se coloca em um odre velho.

            É claro que não podemos generalizar. Ouvi o testemunho de muitos párocos dizendo que estão muito felizes com o seu diácono e às vezes com vários diáconos. Dizem que já não saberiam viver sem diáconos na paróquia. Afirmam que vivem em total harmonia, que as famílias dos diáconos são como sua própria família. Normalmente são párocos inquietos, homens de diálogo, que sabem dar voz e vez a todos os ministros. Homens que não se consideram o centro e dono da paróquia. Homens que querem encontrar novas formas de evangelizar. Homens que assimilaram o espírito do Vaticano II.

            Por outro lado temos inúmeros relatos de diáconos e padres que contam suas dificuldades para trabalhar juntos. Isto decorre principalmente da falta de preparo nos seminários para trabalhar em equipe. Problemas de liderança, de caráter, de visão de Igreja, é a maioria das vezes o maior empecilho para uma convivência e um trabalho harmonizado e complementar.

            O problema não está só, é claro, em que a paroquia é uma estrutura velha. O problema é a maioria das vezes, um problema humano. As diferenças entre o diácono e o presbítero não são aproveitadas para somar, mas para obstaculizar. A consciência da vivencia da comunhão superando as divergências ainda é muito fraca. Não se sabe colocar a unidade e a comunhão acima de tudo.

            Na tentativa de encontrar uma solução criativa surgem nos últimos anos as experiências de diaconias. Até as novas Diretrizes para o Diaconado Permanente da CNBB, documento 96, registra e incentiva a criação das diaconias territoriais, setoriais e ambientais.

            Nas paróquias muitos diáconos ficam angustiados ao ver que todo domingo inúmeras comunidade ficam sem eucaristia porque o vigário não os envia para celebrar a Palavra. Ou quando não se promovem ministros extraordinários da Palavra.

Vivem angustiados ao ver o abandono em que vivem as comunidades da zona rural. E ver que a maioria das vezes não se tomam providências, nem se estimula os fiéis das igrejas matrizes a darem uma assistência. Quantos casais e quantos grupos de apostolado poderiam exercer a sua missão nestes locais.

           

Os diáconos ficam tristes quando percebem a dificuldade para conseguir recursos para formação dos leigos ou para formação dos aspirantes ao diaconado. Ao ver que as pastorais sociais sempre ficam em último plano. Ficam angustiados quando as programações da paróquia se repetem ano após ano; as mesmas pessoas, as mesmas programações das festas, as mesmas romarias, os mesmos atos devocionais. Os diáconos ficam angustiados quando não se respeita nem valoriza o conselho pastoral ou o conselho econômico. Quando na mudança de vigário o que chega não leva em conta a caminhada. Sobretudo quando sente que muitos leigos e leigas se afastam porque não são acolhidos, nem valorizados, nem respeitados na corresponsabilidade que lhes cabe na Igreja.

            Uma forma de propiciar experiências novas de evangelização é fazer funcionar o diácono como o outro braço do bispo para as novas exigências da evangelização. A criatividade das diaconias poderá dar suporte a esta necessidade.

      
      As experiências das diaconias ainda são poucas. Por quê? O que está faltando para que entremos de cheio neste projeto que seria benéfico para toda a Igreja? Cinquenta anos que se pede criatividade pastoral e ficamos paralisados sem entrar em algo novo. Será que é o medo do novo que nos paralisa? Será que é assumir compromissos mais exigentes? Os que ainda não conhecem ou não sabem como se faz um projeto de diaconia e como funcionam, basta ler o que a CND já publicou, basta entrar em contato com as dioceses que tem experiências em andamento. O que não podemos é continuar a deixar abandonados tantos ambientes e setores da sociedade sem que haja atenção da Igreja.

            Os diáconos precisam falar para os bispos como eles vêm a situação da paróquia, a situação do seu ambiente de trabalho, os problemas das pessoas na sociedade em que vivem. E sugerir novas formas de exercer o seu diaconado. Muitas vezes os diáconos ficam desiludidos ao ver reuniões do clero em que se fala de mil e uma coisas, mas não se vê objetividade. Onde são tomadas tantas decisões esquecendo o decidido nas assembleias diocesanas, sem levar em conta as opiniões das lideranças leigas. São muito raras as ocasiões em que são abordados assuntos relacionados com novas práticas pastorais e com projetos novos que levem em conta os pobres, os excluídos que estão nas periferias.

            O ministério diaconal está em função de colaborar para que a Igreja tenha um rosto cada vez mais servidor. E para que isto se torne realidade temos que lutar muito dentro da Igreja, mesmo que isto signifique atrair contra o diácono e o diaconado antipatias, perseguições, divisões por casa das opções evangélicas. O que interessa é que resplandeça o rosto de Cristo presente no meio de nós, no meio da sociedade.

            É necessário migrar das paróquias para as diaconias. Não para fugir dos problemas e desafios da paróquia hoje. Mas porque o diaconado não foi pensado em função das paróquias. O que reiteradamente vem dizendo o magistério é que o diácono deve ser criador, animador de pequenas comunidades. Essas comunidades podem viver sem tantas estruturas como são exigidas nas paróquias. O clero em geral tem medo de que alguma comunidade ou grupo possa fugir do seu controle, do seu domínio; por este motivo muitas vezes se sufoca uma vida nova que nasce uma experiência nova que cresce. Não se dá liberdade nem se favorece a corresponsabilidade. Cria-se sempre dependência, não se favorece a autonomia. Todos estes vícios das paróquias devem ser superados pela diaconia.

5.- Das pastorais  para as novas fronteiras da missão.

            No Documento de Aparecida (Cf. n. 168) todos os batizados somos convidados a sair ao encontro dos que não creem em Cristo. Não só mais cuidar do rebanho, mas procurar os mais distantes.

Antes do Concilio o padre ficava na sacristia. Depois do Concilio ficava na porta do templo saudando os fiéis. Hoje deve sair do templo para buscar e encontrar as pessoas onde elas se encontram.

O diácono no Concílio é pensado principalmente com funções litúrgicas, sacramentais. Depois do Concílio se fazem esforços para que assumam principalmente as pastorais sociais. Hoje deve sair para as periferias nas novas fronteiras da missão. As periferias não só territoriais, mas também existenciais.

Neste caminho os ensinamentos da Doutrina Social da Igreja sempre foram inspiração e luz para o ministério diaconal. Porém, sempre foi de certa forma, uma frustração constatar a pouca atenção e a pouca prática das dioceses a respeito da divulgação e colocação em prática da mesma. Poucas vezes é objeto de estudo nas escolas diaconais. A diaconia da “Doutrina Social” não aparece.

Já se passaram alguns anos, desde que a CNBB mudou o nome das Diretrizes que elabora e propõe a cada quatro anos, de “Diretrizes da ação pastoral” para “Diretrizes da ação evangelizadora”, indicando, justamente, que o foco agora das atenções não pode recair exclusivamente sobre os que de alguma forma já estão evangelizados, mas sobre aqueles que esperam e necessitam ser evangelizados.

É claro que não podemos deixar de agir nas pastorais sociais. Não podemos deixar de promovê-las e incentiva-las. De fato, nos últimos anos cada vez mais diáconos assumiram compromissos com as pastorais sociais. Sabemos do heroísmo de muitos deles. Das dificuldades de todo tipo que enfrentaram e enfrentam.

Quando os bispos no Documento de Aparecida nos propõem como campo de ação evangelizadora “acompanhar a formação de novas comunidades eclesiais, especialmente nas fronteiras geográficas e culturais”, assinalam: o mundo das comunicações, a construção da paz, o desenvolvimento e a liberação dos povos, sobretudo das minorias, a promoção da mulher e das crianças, a ecologia e a proteção da natureza, o campo da experimentação científica, das relações internacionais. Será que os diáconos estão sendo preparados para atuarem nestes campos? Isto não implicaria numa mudança de alguns critérios e requisitos na convocação e seleção dos aspirantes?

Nestes campos há tentativas ainda muito tímidas de “diaconias”. Nestas novas fronteiras é onde se devem criar as diaconias como novas formas de comunidades de dimensões humanas, animadas por um diácono e que tenham como prioridade o serviço da caridade. Estas diaconias não têm como prioridade, o altar, o templo ou o santuário. Não seguem o modelo de organização das paróquias. As diaconias exercem um trabalho de fronteira, onde o diácono exerce um ministério de vanguarda. A diaconia está mais relacionada com o bispo do que com a paróquia. A paróquia e a diaconia são as duas estruturas, aquela mais pastoral e esta mais missionária, com as que os dois braços do bispo, o presbítero e o diácono, colaboram para a plena realização do ministério do bispo no seu múnus regendi, docendi e santificandi.

Será que há diáconos que se recusam a assumir compromissos nos lugares mais afastados, mais difíceis, mais pobres? As pessoas que se encontram nas novas fronteiras geográficas e existências da missão me comovem e provocam para sair ao seu encontro? Qual é o meu interesse por conhecer e me capacitar para agir
na evangelização dos novos areópagos?

           

6.- De uma formação nos moldes do seminário para uma formação própria e específica.

            Nos primeiros anos os diáconos foram formados com manuais e disciplinas usadas nos seminários. Sempre reduzindo os conteúdos e com tempo menor de estudo. Depois houve um tempo em que os candidatos ao diaconado faziam um curso de formação de agentes de pastoral e ministros leigos, e depois completavam o currículo com disciplinas necessárias para o ministério diaconal. Mais tarde surge uma proposta curricular elaborada pela CND contemplando também a necessidade de oficinas e práticas pastorais. Ultimamente algumas dioceses decidem que os futuros diáconos devem fazer o mesmo curso teológico dos seminaristas, ou frequentar a mesma faculdade de teologia.

Hoje alguns começam a perceber que a escola diaconal tem que ter uma estrutura própria porque são muitas as diferenças entre uma escola diaconal e um seminário, entre a escola diaconal e a faculdade, entre a escola diaconal e os cursos de formação teológica e pastoral para os leigos. São também muito diferentes as situações entre as dioceses no Brasil.

Já faz muito tempo que se fala que a formação dos seminários não corresponde mais as necessidades da nova evangelização. Está mais voltada para a pastoral da conservação do que para o espírito de novidade, criatividade, reforma e profetismo que exigem os novos tempos. Os cursos das faculdades têm em vista mais a formação de um teólogo do que de um pastor. Os cursos para agentes de pastoral e ministros leigos são incompletos para formação de um ministro ordenado.

Durante os últimos trinta anos a CND promoveu doze encontros de diretores e formadores das escolas diaconais. Estes encontros sempre tiveram a preocupação de encontrar caminhos formativos novos e adequados à vocação específica dos diáconos, que levassem em conta as características deste grupo, e a sua missão. Podemos ver isto pela temática tratada nos mesmos e pelas ricas orientações que propuseram. Os temas foram: como realizar uma adequada formação eclesial, teológica, espiritual e pastoral?; diaconato no Brasil: teologia e orientações pastorais; o ministério diaconal á luz da teologia e da pastoral hoje; formação diaconal intensiva e extensiva; elaboração do anteprojeto das Diretrizes para o diaconado permanente no Brasil; etapas do processo formativo; formação específica para um ministério específico; a formação humano-afetiva na idade adulta e suas peculiaridades no ministério diaconal; o processo avaliativo das cinco dimensões da formação diaconal; a formação na dimensão eclesial-comunitária; a promoção humana como meta da formação e do ministério diaconal.

O resultado é que hoje temos um bom número de escolas diaconais funcionando de forma muito estruturada e que servem de modelo para as dioceses que estão iniciando o diaconado agora.

No caminho formativo continuamos com alguns problemas crônicos, sobre tudo em algumas dioceses com poucos presbíteros e poucos recursos de todo tipo. A falta de um corpo de professores qualificados para este tipo de formação; a falta de um plano diocesano de formação que englobe ou contemple o plano de formação ao diaconado; as distâncias entre as localidades dos diferentes aspirantes que frequentam a escola diaconal; em alguns casos o prolongamento excessivo de anos que passam os aspirantes desde o propedêutico até a ordenação; em geral não conseguimos colocar em prática uma formação personalizada; a dificuldade de propiciar estágios pastorais dentro do projeto de diaconado da diocese. Ainda, em muitos casos, não se consegue envolver as esposas em todas as etapas do processo formativo. Nem sempre se tem em conta que se trata de formar um colaborador direto do bispo. Ainda há um descompasso muito grande entre a formação intelectual e as outras dimensões da formação.

Grandes benefícios para a formação dos diáconos, aspirantes e esposas, foram os encontros de formação permanente organizados pela CND.

Também tem sido muito importante e benéfico o fato de muitos diáconos se ter envolvido na direção ou no corpo docente das escolas diaconais da sua diocese ou de outras dioceses vizinhas.

Porém, nem sempre os diáconos dão a devida atenção à escola diaconal. Teríamos que assumir com maior entusiasmo a causa da formação em todos os momentos desde o propedêutico até a formação permanente. Formação deve ser prioridade de todos. No momento histórico que nos tocou viver de mudança de época e transição em todos os âmbitos da cultura, assim como a situação de pluralismo, exige estar atualizado para poder interpretar os sinais dos tempos e encontrar respostas novas e adequadas. Temos que tomar consciência de que a formação só termina com a morte.

Será que ainda tem algum diácono que depois que se ordena não aparece mais para nenhum tipo de formação? Será que ainda tem diácono que pensa que ele não precisa mais de formação? Como poderá formar e orientar o povo de Deus? Como poderá pregar sem estar repetindo as mesmas coisas desatualizadas que não atingem ninguém? Qual é minha contribuição para com a formação dos vocacionados ao diaconado? Procuro incentivar os colegas para encontros de formação? Estou lendo algo que contribui para melhor desempenhar o meu ministério? Uso os novos recursos de comunicação para ler e divulgar matérias que servem para evangelizar e construir o Reino de Deus?

São indagações que nos ajudam a tomar consciência da nossa responsabilidade, assumida perante a Igreja e perante Deus o dia da nossa ordenação diaconal. Não podemos fugir. Não podemos relaxar. Temos que construir a bonita história do diaconado. Temos que construir a bela história da Igreja. Temos que colaborar na maravilhosa construção do Reino de Deus.

Conclusão

Contemplando o quadro da evolução do diaconado no Brasil pudemos perceber que os p
rimeiros trinta e cinco anos foram muito lentos no número de ordenações. Si observamos as estatísticas das ordenações podemos ver que a maioria dos diáconos foram ordenados nos últimos quinze anos. Y que ao contrário do que percebiam os participantes no Concílio Vaticano II, as vocações dos diáconos permanentes surgiram mais nas regiões do sul do país do que nas “terras de missão”.

Achamos que o balanço quanto ao processo formativo, à compreensão da sua identidade e missão, do seu engajamento pastoral, assim como da sua organização como corpo diaconal foi bastante positivo.

Temos pela frente enormes desafios. O aperfeiçoamento de tudo o que construímos e adequar-se as novas exigências da evangelização. A Igreja no Brasil para cumprir a sua missão necessita não só de um número maior de diáconos, mas sobre tudo de diáconos santos. O crescimento na espiritualidade diaconal é o elemento definitivo para progredir na construção de uma igreja servidora e pobre. Certamente o mais difícil será manter-se em constante processo de conversão pessoal e pastoral.

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