Lisboa: Cardeal-patriarca ordenou um diácono permanente e doze para o sacerdócio

D. Manuel Clemente destacou os desafios de uma sociedade marcada por «retrocessos de civilização e cultura»

Lisboa, 30 nov 2015 (Ecclesia) – O cardeal-patriarca de Lisboa ordenou este domingo no Mosteiro dos Jerónimos 13 novos diáconos, exortando-os a uma vida à imagem de Cristo, “oferecida a todos e por todos”.
Na sua homilia, D. Manuel Clemente destacou os desafios de uma sociedade onde “não faltam sinais de enormidades caducas e propalados avanços, que são outros tantos retrocessos de civilização e cultura”.
Tudo pode ser “inconsistente”, mas “a humanidade não”, enquanto “lugar de compromisso e encontro”, salientou o cardeal-patriarca, lembrando que a vida nova de Cristo é para ser levada a todos, “homem ou mulher, pai ou mãe (integral e nunca “alugável”), nascido ou nascituro, jovem ou idoso, saudável ou enfermo”.
Durante a celebração, que assinalou o início do tempo litúrgico do Advento, de preparação para o Natal, D. Manuel Clemente sublinhou que a missão que os novos diáconos agora abraçam é um ministério de serviço.
Porque “em Cristo, na verdade, reinar é servir, única maneira de ocupar o território imenso dos corações humanos. Do serviço atento e humilde à humanidade que sofre e O espera”.
Homilia
Irmãos e irmãs, em Advento reencontrados:
O tempo litúrgico em que entramos é da vinda de Cristo, hoje como ontem e cada vez mais definitiva; e repercutindo em toda a terra – dos continentes aos corações – o que há dois mil anos aconteceu, como sinal e convite.
Pois de convite se trata, e convite para um encontro ultimado, que finalmente satisfaça todo o desejo que essencialmente nos move, qual humanidade em esperança. Assim mesmo pedíamos na oração coleta, que convém retomar pois dá o tom a tudo o mais: «Despertai Senhor, nos vossos fiéis, a vontade firme de se prepararem, pela prática das boas obras, para ir ao encontro de Cristo, de modo que, chamados um dia à sua direita, mereça alcançar o Reino dos Céus».
Pedimos a Deus que nos desperte a vontade – e a vontade firme! – de nos prepararmos para ir ao encontro de Cristo; que o façamos pela prática das boas obras; e que assim – só assim! – sejamos chamados ao reino prometido.
Verdadeiramente, só Deus pode despertar em nós uma vontade tão grande como de Si próprio, ultrapassando os desejos imediatos em que demoramos, por necessidade em muitos casos, ou devaneio em tantos outros. O desejo de Deus e das coisas de Deus segundo Deus, que o mesmo é dizer do seu “reino”, só de Deus provém e só Ele o pode avivar em nós. E assim mesmo o faz, como prova mais íntima da sua própria realidade e existência.
Para que aconteça nas vidas, aconteceu no mundo, na existência concreta em que foi “Deus connosco”, humanamente também. Vida oferecida a todos e por todos, depois ressuscitada e omnipresente. Vida – convite em tudo o que a Igreja anuncia e faz como corpo eclesial do Ressuscitado, quando fielmente o realiza.
Caríssimos ordinandos: O diaconado que a seguir recebereis, assinalará em vós e por vós a diaconia de Cristo, em constante advento de serviço. Em Cristo, na verdade, reinar é servir, única maneira de ocupar o território imenso dos corações humanos. Como fez e mandou que fosse: «O que for maior entre vós seja como o menor, e aquele que mandar, como aquele que serve. […] Eu estou no meio de vós como aquele que serve [literalmente “um diácono”]» (Lc 22, 26-27). Nas vossas pessoas, muito especialmente agora, trata-se do advento do serviço de Cristo ao mundo, pelo Evangelho e segundo o Evangelho, que adiante recebereis como sinal da vossa ordem sagrada. Do serviço atento e humilde à humanidade que sofre e O espera.
Porque de “justiça” se trata. Virtude e obrigação de dar a cada um o que lhe é devido. Justiça que, da parte de Deus, é total, apenas Ele sabendo a dimensão espiritual e corporal da carência humana – a que só a partir d’Ele corresponderemos por inteiro, “apressando” o último Advento de Cristo (cf 2 Pd 3,12).
Assim nos situamos na realidade deste Advento. Em Cristo que vem e no desejo de nos reencontrarmos com Ele e n’Ele – na vida concreta que entre nós viveu e que por nós continua, como resposta ao mais profundo desejo de todos. Porque assim mesmo Deus nos desperta como desejo e nos realiza também como justiça. Justiça alargada numa convivência em que todos realmente caibam, como profetizava Jeremias: «Este é o nome que chamarão à cidade: “O Senhor é a nossa justiça”».
Que seja este e só assim aconteça, o encontro ativado pelo Advento de hoje, disse-o São Paulo no primeiro escrito cristão. Pedia para nós «uma santidade irrepreensível, diante de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de Jesus, nosso Senhor, com todos os santos». E o mais convincente de palavras tão solenes é o facto de as podermos verificar desde já. – Pois não nos convencerá a boa experiência de tantos e tantas, que, pela prática duma justiça concreta, plena de caridade imbuída, assinala o Reino de Deus neste mundo e precisamente entre aqueles que mais urgentemente o esperam?!
Entre aqueles que, sendo prioritários para Deus, hão de ser prioritários para nós, inevitáveis lugares do pleno encontro: «Felizes de vós, os pobres, porque vosso é Reino de Deus» (Lc 6, 20). Deste modo, os pobres são os senhores do Reino e o seu serviço é o lugar de encontro do Senhor que vem. E vem «com todos os santos» – esses mesmos que, levando o Evangelho à prática, assinalam desde já sua vinda, na caridade e na justiça.
Jesus apresentava-se como “o Filho do homem”, figura profética para o último juízo. Mas, também na humanidade concreta que assumiu, tornou-se para nós o lugar definitivo de decisão e encontro. O Evangelho que ouvimos está repleto de imagens fortes e de convulsões espantosas. Mas de “Evangelho “ se trata, na boa nova d’Aquele que vem e assim nos quer e garante: «Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima».
Sim, irmãos e irmãs, e especialmente vós, caríssimos ordinandos: Entre sinais que não faltam de enormidades caducas e propalados avanços, que são outros tantos retrocessos de civilização e cultura, permanecemos firmes e erguidos, diante da humanidade de todos, em que Cristo advém e afinal nos avalia. O mais é inconsistente, a humanidade não, como lugar de compromisso e encontro. Mas como é, e não como a inventariámos a gosto – gosto nosso e desgosto de muitos.
Aí permanecemos, diante de qualquer outro, que é já advento de Cristo. O outro, homem ou mulher, pai ou mãe (integral e nunca “alugável”), nascido ou nascituro, jovem ou idoso, saudável ou enfermo. O outro ou outra, complementares e irredutíveis. Em cada um deles e precisamente assim, é Cristo que advém e nos ajuíza a resposta.
E sem fazermos das dificuldades identitárias de alguns, certamente respeitáveis, pretexto de generalização para todos, que ficariam por respeitar também. Nem substituindo ideologias duras do passado – que nos quiseram impor “o melhor dos mundos” à custa da realidade deste – por alguma outra, mais insinuante porventura, que nos ludibriasse a verdade do que naturalmente somos, em benefício do que culturalmente nos induzissem a preferir (num sentido muito rarefeito de “cultura”, acrescente-se).
Porque não basta desejar, é preciso respeitar a realidade humana, para que o desejo seja honesto e o bem de todos se garanta. A realidade é um “advento” que acolhemos, de cabeça erguida para o todo e não recurvada sobre o apetite de cada um. E só assim é a verdade de todos para todos, como em Cristo foi assumida, realizada e oferecida. Outra coisa, ainda que fugazmente apetecível, não passa de construir sobre areia ou escrever na água.
Mesmo que adormeçam outros, vigiemos e oremos nós e também por eles, para permanecermos «firmes, na presença do Filho do homem». Este é o lugar do Advento de Cristo, este será muito especialmente o vosso, caríssimos ordinandos de diácono.
Santa Maria de Belém (Jerónimos), 29 de novembro de 2015
+ Manuel, Cardeal-Patriarca

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