Breve esquema sobre o poder da palavra na perspectiva bíblica

 

 

 

Diác. Juranir Rossatti Machado

Presidente da CRD Leste I e membro da ENAP-Equipe Nacional de Assessoria Pedagógica da CND

Comissão Nacional dos Diáconos

outubro de 2009

INTRODUÇÃO

Faz algum tempo. A equipe responsável por um grupo de oração da Renovação Carismática Católica (RCC) convidou-me para apresentar uma breve reflexão sobre a vigilância que devemos ter em relação às palavras que proferimos. Pediram-me para enfatizar o seu poder negativo e positivo em nossas atitudes e estruturas de pensamentos. Desejavam uma rápida abordagem bíblica a respeito do assunto. Sugeriram-me que tomasse, como ponto de partida, o texto de Mc 6, 14-29, que nos apresenta a opinião de Herodes acerca de Jesus Cristo e a execução de João Batista. Aceitei o convite, assegurando à assembléia que estávamos iniciando um assunto complexo e que seria desenvolvido de forma esquemática dentro do horário programado.

 

Passados os meses, volto agora à mesma linha temática, um pouco mais ampliada, em forma de artigo; porém com o mesmo intuito: mostrar sucintamente a importância e conseqüências de nossas palavras. Sigo o esquema que, na ocasião da breve reflexão solicitada, utilizei. Ele está diante de mim e, na verdade, faço uso praticamente das anotações apresentadas. Consciente de sua complexidade, deixo o aprofundamento por conta da sensibilidade e interesse de cada leitor.

 

NO TEXTO-BASE, A AÇÃO DA PALAVRA

Lido o texto sugerido, sem deixar de contextualizá-lo rapidamente, disse que ele nos apresenta a palavra em ação, mexendo com o rumo da história humana.

Jesus tornou-se célebre não apenas com o que fez, mas também com o que disse durante seu ministério. O que ele disse pesou muito na decisão de seus adversários. Era preciso que ele falasse, pois a palavra é instrumento necessário à divulgação de idéias e projetos. Através dela, Herodes manifesta suas opiniões a respeito de Jesus Cristo e de seu precursor, João Batista, a quem mandou decapitar. A morte do profeta tem um nascedouro: a palavra dada à filha de Herodíades (Mc 6, 23). Sob juramento, a palavra régia havia sido empenhada. Todos a ouviram. Havia testemunhas. A palavra de Herodes adquiriu um peso que talvez ele não tivesse imaginado. A jovem, que, em sua dança, envolvera o rei com sua formosura, pede o prêmio prometido: "Quero que, sem demora, me dês a cabeça de João Batista" (Mc 6, 25). Trata-se de um prêmio arquitetado e verbalizado pela mãe, respondendo à consulta que a filha lhe fizera sobre o que pediria ao rei. A voz do profeta não podia continuar sendo ouvida. Ela incomodava. Denunciava existência do pecado no palácio real. No texto, um duelo entre as trevas e a luz, onde aparentemente – só aparentemente – as trevas obtêm vitória!

Por ora, frisemos que, em Cristo e em João Batista, como a Sagrada Escritura comprova, temos a palavra de vida e de verdade, gerando seus frutos; em Herodes, a palavra precipitada e desencadeadora de males inimagináveis; nos lábios da moça dançarina e na boca pérvida de sua mãe, a palavra transformada em mensageira da barganha, da corrupção e do crime.

AS PALAVRAS PRECISAM ESTAR SOB VIGILÂNCIA

O que nossos lábios proferem é objeto de cuidado constante e precisa estar sempre sob vigilância. Tal comportamento deve ser emoldurado pela prudência ditada pelo discernimento. Onde se encontram as raízes de nossos pensamentos e palavras?

Normalmente, as palavras revelam o interior de seus autores. É possível chegar ao tipo de personalidade de alguém através da simples verbalização ou exteriorização de seus pensamentos. É possível chegar ao conhecimento de enfermidades psicológicas e espirituais do homem ou da mulher por meio da análise do uso habitual de determinadas palavras. É o que nos garante, por exemplo, a Logoterapia, que, em sua metodologia, investiga a sua natureza, detectando sua força positiva ou negativa.

Em nossa reflexão, fiquemos com o alerta que a Sagrada Escritura nos dirige. No momento, enfatizemos as seguintes referências bíblicas, objetivando a temática da vigilância sobre nossas palavras. Diz-nos Prov 10, 31-32: "A boca do justo produz sabedoria, mas a língua perversa será arrancada. Os lábios do justo sabem dizer o que é agradável, a boca dos maus, o que é mal". E ainda: "Com os lábios, o hipócrita arruína o seu próximo, mas os justos serão salvos pela ciência" (Prov 11, 9). Ciência: discernimento, prudência, temperança, verdade. As nossas palavras têm o peso da eternidade. Podem colocar-nos na comunhão absoluta com Deus ou podem afastar-nos completamente de sua presença. É o que nos diz o próprio Cristo: "É por tuas palavras que serás justificado ou condenado" (Mt 12, 37). Neste ensinamento, o próprio Cristo revela a força de nossas palavras: podem abrir para nós o portal do Paraíso ou podem deixar-nos fora dele. Em certo sentido, o destino eterno do homem está em suas palavras.

PALAVRA: EXTERIORIZAÇÃO DO PENSAMENTO

 

É principalmente por meio das palavras que exteriorizamos nossos pensamentos; portanto elas começam em nossa mente. Falsas ou verdadeiras, elas são reveladoras do que se passa nela. A mente é fonte que, no dia-a-dia, precisa ser revista e dela devemos extirpar tudo o que possa estar poluindo suas ondas.

O que nós pensamos constitui objeto de cuidadosa vigilância. Qual é a natureza de nosso pensamento? Com a autoridade que o Espírito Santo lhe dá, São Paulo vem em nosso socorro: "(…) tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, eis o que deve ocupar vossos pensamentos" (Fl 4, 8). Em outros termos, nossa mente deve ser ocupada pela presença de Deus, absorvida pelo seu Espírito. Deus nos ensina a pensar e nos leva a falar frutuosamente. Cristo é o modo de Deus pensar, falar e agir.

Referindo-nos à palavra que sai de nossa boca, banhando-a no ensinamento de Paulo, podemos dizer que ela deve ser verdadeira, nobre, justa, pura, amável, de boa fama, virtuosa e louvável. É muito grande o risco do surgimento de ervas daninhas em nossa mente, quando nos afastamos das virtudes apontadas pelo Apóstolo.

 

FORÇA POSITIVA E FORÇA NEGATIVA DA PALAVRA

A palavra, revestida pelas qualidades apontadas por São Paulo em relação à natureza dos pensamentos, é positiva; enquanto a que não tem raízes nessas virtudes é negativa. Entendamos que cada palavra tem sua força, segue um curso que nem sempre conseguimos prever, construindo ou destruindo, sendo mensageira de vida ou portador
a da morte, fazendo-nos instrumentos de libertação ou de opressão.

A História Universal registra episódios edificantes e situações degradantes, que, ainda hoje, repercutem na vida da humanidade, por causa da força positiva ou negativa da palavra. A sua energia atua em nosso organismo e, não poucas vezes, altera o metabolismo de nosso corpo. A palavra negativa e igualmente o pensamento negativo, mesmo que a palavra não a denuncie por causa da dissimulação, estão na origem de enfermidades emocionais, psíquicas e existenciais ou as acentuam consideravelmente. É significativo o número de nossas doenças psicossomáticas, nas quais os pensamentos e palavras negativas atuam como agentes provocadores.

Desejo ler uma orientação que Antonio Casa Grande coloca em seu livro Saúde da alma e do corpo, publicado pela Editora Recado. Logo depois da apresentação de palavras geradoras de energia negativa, ele nos assegura: "Pensemos em palavras positivas, tais como: amor, alegria, tranqüilidade, serenidade, equilíbrio, saudade, sorriso, energia, saúde, luz, sabedoria, paciência, paz, cachoeira, silêncio, riqueza, sucesso etc. Pois bem, estas palavras geram ondas, diametralmente opostas às mencionadas acima. Ou seja, geram ondas de relaxamento no organismo."

 

SUSTENTAÇÃO DAS QUALIDADES DA PALAVRA

A vigilância a que somos chamados a ter em relação às nossas palavras deverá ser sustentada pela profunda vivência do apelo do Apóstolo dos Gentios. Diz-nos ele em Ef 4, 23-24: "Renovai sem cessar o sentimento da vossa alma, e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade." Para nós, está bastante claro que o caminho da superação do pernicioso esquema mental está na reconstrução de imagem de Deus em nossa vida e esta reconstrução exige que nós vivamos o que o mesmo Apóstolo nos recomenda: "Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só a que for útil para a edificação, sempre que for possível, e benfazeja aos que ouvem. Não contristeis o Espírito de Deus, com o qual estais selados para o dia da redenção. Toda a amargura, ira, indignação, gritaria e calúnia sejam desterradas no meio de vós, bem como toda malícia" (Ef 4, 29-30).

Encontramos em Jesus Cristo, em sua maneira de falar, o paradigma da palavra do homem que a pedagogia divina coloca diante de nós. Cristo é o modelo da arte de falar o que é certo e no momento certo. Nele, a palavra que sai de sua boca não é dele. É de Deus. É daquele que o enviou: "A palavra que tendes ouvido não é minha, mas sim do Pai que me enviou" (Jo 14, 24). Dentro da dimensão da fé bíblico-cristã, esta confissão de Cristo leva-nos a considerar a capacidade de falar como dom de Deus. É Deus mesmo que nos concede o dom da palavra, pois é nele que nós somos e existimos e nos movemos (At 17, 28). Os seguidores de Cristo reconheceram que dele partiam palavras de vida eterna: "Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna" (Jo 6, 68). O que partia de sua boca revelava vida, reconciliação, amor, saúde, equilíbrio, santidade, justiça, perdão, autoridade desencadeadora de diálogo e não de opressão, força reveladora de misericórdia e não de males, energia construtora de unidade e não de desamor (Mt 8, 27; Mc 11, 29-30). Haja sempre em nossa palavra vestígios que possam revelar a presença da sabedoria divina!

Não multipliquemos citações bíblicas através das quais percebemos a força de nossa palavra e sua influência em nossa vida e na vida de nossos semelhantes. São abundantes as referências bíblicas a respeito do assunto. Encerrando este conjunto de idéias, focalizemos o caminho que Cristo nos aponta para mantermos prudente vigilância em nossos lábios e mente. O caminho é ele mesmo: "Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração, e achareis repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve" (Mt 11, 29-30). É caminho providenciado por Deus: percorrendo-o, encontramos, através da cristificação de nossos atos, a própria energia positiva de nossos pensamentos e palavras. Em Deus, tornam-se setas direcionadas para o coração divino e sua sabedoria eterna. 

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