Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre: "VOCAÇÃO DIACONAL NA FAMÍLIA " (II Assembleia Geral Não eletiva da CND. 20/05/2017(II)

VOCAÇÃO DIACONAL NA FAMÍLIA

Palestra de dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, RS e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada da CNBB, na II Assembleia Geral Não Eletiva da CNBB, realizada no Seminário Santo Afonso de Aparecida, SP, nos dias 18 a 21 de maio de 2017.

Foto: Diácono José Carlos Pascoal – ENAC / CND

VOCAÇÃO DIACONAL NA FAMILIA

* Dom Jaime Spengler

(PARA COMEÇO DE CONVERSA)

O diácono casado deve, de maneira especial, responsabilizar-se por dar um testemunho claro da santidade do matrimónio e da família. Quanto mais crescerem no mútuo amor, tanto mais forte se tornará a sua doação aos filhos e tanto mais significativo será o seu exemplo para a comunidade cristã. «O enriquecimento e o aprofundamento do amor sacrifical e recíproco entre esposo e esposa constitui talvez o mais significativo envolvimento da mulher do diácono no ministério público do próprio marido na Igreja»

Este amor cresce graças à virtude da castidade, a qual floresce sempre, mesmo mediante o exercício da paternidade responsável, com a aprendizagem do respeito pelo cônjuge e com a prática de uma certa continência. Tal virtude ajuda a doação mútua que rapidamente se manifesta no ministério, fugindo aos comportamentos possessivos, à idolatria do êxito profissional, à incapacidade da organização do tempo, ajudando ao contrário as relações interpessoais autênticas, a delicadeza e a capacidade de dar a cada coisa o seu justo lugar.

Suscitem-se iniciativas apropriadas de sensibilização para o ministério diaconal em benefício de toda a família. A esposa do diácono, que deu o seu consentimento à opção do marido, seja ajudada e apoiada para que viva a sua missão com alegria e discrição e aprecie tudo o que se refere à Igreja, dum modo especial as tarefas confiadas ao marido. Por isso é conveniente que seja informada das atividades do marido, evitando, todavia toda a invasão indevida, de maneira a concordar e realizar uma relação equilibrada e harmónica entre a vida familiar, profissional e eclesial. Também os filhos do diácono, se forem adequadamente preparados, poderão apreciar a opção do pai e empenhar-se com particular cuidado no apostolado e no testemunho de vida coerente.

A família do diácono casado, como, aliás, toda e qualquer família cristã, é chamada a tomar parte viva e responsável na missão da Igreja nas circunstâncias do mundo atual. “O Diácono e sua esposa devem constituir um exemplo de fidelidade e indissolubilidade no matrimónio cristão perante o mundo que tem uma urgente necessidade destes sinais. Encarando com espírito de fé os desafios da vida matrimonial e as exigências da vida quotidiana, estas fortalecem a vida familiar não só da comunidade eclesial, mas também de toda a sociedade. Elas mostram também como os deveres da família, do trabalho e do ministério se podem harmonizar no serviço da missão da Igreja. Os diáconos, as suas mulheres e os filhos podem ser um grande encorajamento para todos os que estão empenhados em promover a vida familiar” (Diretório do ministério e da vida dos Diáconos permanentes. O estatuto jurídico do diácono,  61).

O texto citado apresenta a situação familiar do diácono permanente na Igreja. Trata-se de uma condição particular (casado), que convoca a um testemunho específico (esposo e pai), no desenvolvimento de um ministério característico (diácono) no seio da comunidade de fé (comunidade de batizados). A vida familiar do diácono é antes de tudo oportunidade privilegiada para um testemunho profético de que o bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja.

Onde se encontra a força da família? O Papa Francisco responde: “reside essencialmente na sua capacidade de amar e de ensinar a amar”. Onde se encontra a força do diaconado? Na capacidade de se lançar no serviço do anúncio da Palavra d’Aquele que é amor, no serviço da caridade em favor daqueles que precisam de amor e no exercício da liturgia, por meio da qual a comunidade de fé celebra a vitória do amor sobre o ódio e a morte.

MINISTÉRIO DIACONAL E VIDA FAMILIAR

O estado matrimonial determina vida espiritual do diácono e o exercício de seu ministério.

A sacramentalidade do casamento é o desenvolvimento da graça batismal agora vivida entre um homem e uma mulher que se dão e se recebem mutuamente para fundar uma comunidade de vida e de destino em fidelidade exclusiva, na indissolubilidade da sua união e na abertura aos filhos.

O casamento entre batizados é, sim, uma realidade humana, mas que em vista do próprio batismo se torna sacramento: expressa e significa o mistério da aliança de Deus com a humanidade e de Cristo com a Igreja.

A Igreja, enquanto esposa de Cristo, se recebe dele, e ao mesmo tempo, responde e corresponde ao seu amor. Os esposos são expressão viva desse amor!

O consentimento celebrado empenha os dois a se darem e a se receberem numa relação interpessoal, para se amarem todos os dias de suas vidas. O compromisso assumido se opera diariamente à vista do outro cônjuge, para além do que é conhecido e com tudo o que ele ou ela vier a ser.

O vínculo sacramental abre os cônjuges para a acolhida de Deus e os expõem para a escuta da Palavra. Pela graça do sacramento os cônjuges são destinados a aprofundar o amor reciproco, atravessar crises, dificuldades e desafios, colocar-se ao serviço da vida, testemunhar o Evangelho no seio da própria família e nos demais âmbitos da sociedade: profissional, social, esportivo, lazer… É nesse sentido que se pode falar da vocação emissão das famílias cristãs.

O sacramento, para a pessoa que o recebe, “para a Igreja”, é um sinal da aliança de Deus com a humanidade, em Jesus Cristo, pelo seu Espírito; sublinha a sua vocação e a sua missão de ser chamada à fidelidade, à aliança e ao testemunho da sua fecundidade.  Como os sacramentos da Iniciação Cristã, o casamento é “para a Igreja”, para a edificação da aliança entre Deus e o ser humano.

O sacramento da Ordem não se “enxerta” sobre o sacramento do matrimônio. O diaconado não é “a cereja do bolo” da vida conjugal, como se constituísse uma espécie de ponto alto do casamento. A ordenação também não pode representar uma espécie de fuga em relação aos deveres inerentes ao matrimônio, nem uma fuga face às dificuldades características da vida conjugal e familiar. O casamento entre batizados como sacramento situa-se na estrita continuidade do Batismo. No entanto, o sacramento da Ordem não é o desenvolvimento da graça batismal.

O sacramento da Ordem é também “para a Igreja”, para agir ao serviço da fé apostólica. O esposo cristão que recebe a ordenação deve certamente deve continuar o desenvolvimento da graça batismal no seu matrimônio. No entanto, o diácono casado está investido num ministério que ultrapassa o a dimensão do matrimônio e da família. O diácono é investido para o ministério da Igreja. Aqui é preciso ter presente que a ordenação e a prática do ministério vão repercutir sobre o compromisso conjugal.

Os esposos são concretamente afetados pela recepção do sacramento da Ordem. A vocação do casal e a vida familiar são marcados por uma “tonalidade particular”. Pela ordenação são afetadas a história do casal, a história de cada um dos cônjuges, a imagem que um tem do outro, sobre a dinâmica de vida do casal, sobre a vida dos filhos e o meio social.

Entende-se assim porque antes da ordenação é solicitado o consenso da esposa, pois a ordenação imporá consequências sobre as relações do casal e da família. É que a esposa escolheu o matrimônio! Agora ela e convidada a também aceitar a ordenação do esposo, e não simplesmente concordar. A esposa não é ordenada… Não há ‘casal diaconal’.

Tenha-se presente que a ordenação traz repercussões. O projeto diaconal não deixa nada intacto; provoca questionamentos legítimos, transformações, deslocamentos; traz exigências e compromissos. É sempre necessário realizar uma espécie de ajustamento entre a vida familiar e o exercício do ministério ordenado. Nãos e pode esquecer que a ordenação afeta o itinerário espiritual de cada um, mas no respeito pela autonomia do diácono no seu ministério e no da liberdade da esposa nos seus compromissos.

Para a esposa pode surgir uma questão séria: “é mulher do diácono?” ou “é mulher cujo marido é diácono?” Por o isso o sem que ela dá para a ordenação será um dos muitos mais ‘sim’ da história comum. O consentimento que ela dá a este homem e ao que ele se torna, em Cristo e na Igreja, pela ordenação é aceitação.

Os próprios filhos são preparados para a opção do pai. Deles, de alguma forma, se espera interesse pelo apostolado do pai e um testemunho de vida coerente.

O exercício do ministério não pode ser prejudicial à vida conjugal e familiar. Atenção especial sempre deverá ser dispensada aos filhos. É preciso cuidar para não cair no “perigo da vitrine”: uma exposição demasiada ou ativismo frenético ou o querer cultivar uma ‘exemplaridade’ que não favorece a ninguém…

Recorde-se que com o resgate do diaconado permanente há novamente clérigos casados na Igreja latina. Isso implica elaborar uma espiritualidade que saiba conjugar vida matrimonial-familiar e ministério ordenado (*Isto ficou desarticulado durante séculos!). Trata-se de um caminho que precisa ser construído!

Temos aqui um caminho novo a ser aprendido. Os diáconos estão aprendendo a ser ministros ordenados, casados, chefes de família, além de possuir uma vida pessoal. E tudo isso sem esquecer que são consagrados e enviados para servir ao Evangelho, segundo as necessidades da missão, em função do que requer a solicitude dos pastores.

O diálogo entre esposos, e entre pais e filhos, será o lugar para avaliação e revisão de vida e de discernimento espiritual, onde os envolvidos, iluminados pela Palavra de Deus, buscam honrar melhor a própria vocação.

ESPIRITUALIDADE DO DIACONO PERMANENTE

A ordenação diaconal não é, em primeiro lugar, para a santificação do diácono, mas para a santificação das pessoas a quem ele é enviado e se coloca a serviço. Em outros termos: o diácono permanente é enviado para a santificação de seus semelhantes.

Não se pode ver o diaconado permanente como sendo decorrência de um estado de vida que se liga com o ministério, mas é o ministério que se liga com um estado de vida: no caso a vida matrimonial. O ministério não é conferido para o diácono casado, no sentido em que ele conferiria um mais ao sacramento do matrimônio. Isso significaria uma instrumentalização do diaconado.

O diaconado permanente também não é expressão de um projeto pessoal, mesmo se marcado por um profundo senso de corresponsabilidade eclesial. Ser ordenado diácono permente também não é questão de mérito. A ordenação diaconal é conferida pelo CHAMAMENTO DA IGREJA, em vista do ministério, segundo o que requer a solicitude pastoral. O diaconado permanente é vocação, e como tal precisa ser avaliada pela comunidade de fé. (“A santa mãe Igreja pede que ordenes para diácono esse nosso irmão….).

Surge assim um elemento que merece nossa reflexão: a interpelação eclesial pode favorecer a consciência de si da Igreja local, onde fiéis e pastores partilham em conjunto a preocupação com a missão e tentam controlar, pelo menos parcialmente, certos aspectos da ação pastoral da Igreja nesse lugar. A interpelação tem a vantagem de chamar ao ministério, cristãos que nunca teriam pensado nisso!

A interpelação eclesial, a vocação para o ministério ordenado no grau de diácono, a estabilidade do estado de vida e afidelidade ao ministério, a contribuição da vida conjugal e a benéfica distância a cultivar entre ministério e compromisso conjugal “sem separação e sem confusão”, são várias realidades que nos lembram que a experiência espiritual dos diáconos ganha, pois se desenvolve numa perspectiva simultaneamente pneumatológica e eclesial. (*a do presbítero estaria centrada numa perspectiva cristológica e eclesial – Concilio de Trento).

O QUE DIZ O DOCUMENTO DE APARECIDA SOBRE O DIACONADO PERMAMENTE?

205. Alguns discípulos e missionários do Senhor são chamados a servir à Igreja como diáconos permanentes, fortalecidos, em sua maioria, pela dupla sacramentalidade do matrimônio e da Ordem. São ordenados para o serviço da Palavra, da caridade e da liturgia, especialmente para os sacramentos do Batismo e do Matrimônio; também para acompanhar a formação de novas comunidades eclesiais, especialmente nas fronteiras geográficas e culturais, onde ordinariamente não chega a ação evangelizadora da Igreja.

208. A V Conferência espera dos diáconos um testemunho evangélico e impulso missionário para que sejam apóstolos em suas famílias, em seus trabalhos, em suas comunidades e nas novas fronteiras da missão. Não é necessário criar nos candidatos ao diaconato expectativas permanentes que superem a natureza própria que corresponde ao grau do diaconato.

366. A conversão pessoal desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida. Os bispos, presbíteros, diáconos permanentes, consagrados e consagradas, leigos e leigas, são chamados a assumir atitude de permanente conversão pastoral, que implica escutar com atenção e discernir “o que o Espírito está dizendo às Igrejas” (Ap 2,29) através dos sinais dos tempos em que Deus se manifesta.

O QUE DIZ AS “DIRETRIZES PARA O DIACONADO PERMANENTE DA IGREJA NO BRASIL”

40. «O diácono permanente, por sua condição de ministro ordenado e inserido nas complexas situações humanas, tem um amplo campo de serviço em nosso Continente. Através da vivência da dupla sacramentalidade, a do Matrimônio e a da Ordem, ele realiza seu serviço, detectando e promovendo líderes, promovendo a corresponsabilidade de todos para uma cultura da reconciliação e da solidariedade… principalmente nas zonas rurais distantes e nas grandes áreas urbanas densamente povoadas, onde só através dele um ministro ordenado se faz presente» (SD 76-77).

74. Abertos ao Espírito, os diáconos caminhem para uma sempre maior harmonia entre o ministério diaconal e a vida conjugal e familiar, de modo pleno e alegre. Neste sentido, é louvável que, sempre no respeito pelas normas litúrgicas e canônicas, a esposa e os filhos do diácono se façam presentes durante o exercício do seu ministério, de tal modo que a comunidade possa perceber, mesmo visivelmente, o significado do sacramento do Matrimônio e da Ordem.

155. O Vaticano II, de muitos modos e em diversas oportunidades, enfatizou que a vida espiritual integra o homem em sua globalidade, respeitando as experiências e os valores de cada um, e modela a vida a partir da própria situação pessoal, profissional e religiosa. Portanto, na vivência do sacramento do Matrimônio e da Ordem, o diácono construirá uma espiritualidade profunda envolvendo a esposa e os filhos no serviço de Cristo, no anúncio e na construção do Reino.

156. Na Conferência de Santo Domingo, os bispos valorizam os diáconos casados como ministros que vivem os sacramentos do Matrimônio e da Ordem: “Queremos ajudar os diáconos casados para que sejam fiéis à sua dupla sacramentalidade: a do Matrimônio e a da Ordem, e para que suas esposas e filhos vivam e participem com eles na diaconia. A experiência de trabalho e seu papel de pais e esposos constituem-nos colaboradores muito qualificados para abordar diversas realidades urgentes em nossas Igrejas particulares” (SD 77).

201. Estejam os candidatos ao diaconado, bem como, na medida do possível, suas esposas, envolvidos em alguma pastoral em sua paróquia de origem. Essa atividade irá ajudá-los a exercitar a comunhão com o pároco e com o bispo, bem como criará uma consciência de Pastoral de Conjunto, eliminando a mentalidade de que serão ordenados para atender às necessidades deste ou daquele movimento ou grupo. Desde já podem ser ajudados a superar uma visão sacramentalista do ministério, sendo designados para outras tarefas que não o ministério extraordinário da Comunhão: catequistas do Batismo, catequistas de Crisma, preparação ao Matrimônio, pastoral do mundo do trabalho, pastoral do menor, pastoral da moradia, pastoral da saúde, etc.

* Arcebispo de Porto Alegre, RS e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada (CMOVC) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Tomado de: cnd.org. br

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